NUNCA DIGA NUNCA
Entre os cadernos e lápis da minha bolsa escolar, aluno do quinto ano na Escola Estadual Prof. Paulo Nobre (Macaíba/RN) encontro um pedaço de papel mimeografado divulgando uma apresentação teatral. Era um espetáculo sacro, organizado por Isabel Cruz junto com o professor e padre Pedro. Vários dos alunos que estudavam comigo participavam do espetáculo e se reuniam as tardes na residência de dona Isabel, mais conhecida por madrinha Beleza, na rua Nossa Senhora da Conceição. Nunca tinha visto um teatro e não tinha nenhum pouco de interesse de ver. Só sabia que os meus colegas estariam vestidos com umas cáfitas que mais parecia roupa de mulher. Eu morava com a minha mãe meu irmão na casa da minha avó na rua vizinha, Dona Emília, e naquela tarde me prontifiquei de ir comprar o pão na padaria do senhor Zé Paulo só para passar lá na casa do ensaio e zoar com a cara dos meus colegas de sala de aula.
O meu olho corria por toda a rua da Conceição, dançando sob ordem da minha expectativa. Minha mão gelada de tanta ansiedade pedia calma para um cérebro que não respondia. O que irei encontrar lá?
Era uma casa enorme, de paredes grossas e residência de poucos privilegiados. Tudo aquilo me intimidou. Menino negro, magricela, cabeçudo e pobre. Observei distante por um bom tempo e percebi que os meus colegas estavam super envolvidos, saltitantes, brincaram de tica, pega pega e foi quanto Zé Antonio apareceu e chamou todos. Zé estudava comigo e morava naquela fantástica casa. Foi quando tomei coragem e parti para a realizacão do meu tão esperado plano.
Silenciosamente fui entrando naquela enorme casa de inúmeras portas. Vi a criançada em volta de uma velha em uma cadeira de rodas, que por sinal era a sábia madrinha Beleza, o padre que também era o meu professor de Ensino Religioso e o Zé Antonio que dava um de auxiliar de direção.
-É esse o que faltava, padre?
Aquela mulher chegando por trás, sem eu esperar, me segurando pelo braço e me expondo para toda a sala. A sensação era de um feroz monstro me atacando de surpresa e eu sem ter como me defender. Era a governanta da casa e mãe de criação de Zé Antonio. O que fazer numa situação dessa? Meu professor e os meus colegas de turma estavam olhando pra mim como se questionando o que eu estava fazendo ali.
-Afinal de contas, ele é da turma de vocês ou não?
-É sim, Maria. Zé Antonio, o Juscio irá fazer São Pedro.
Desse dia em diante eu nunca mais deixei o teatro. Madrinha Beleza, a quem muito devo, faleceu, o padre Pedro deixou a batina e eu continuo nessa maravilhosa cidade escrevendo para teatro. No espaço entre o ontem e o hoje muita coisa aconteceu. Juscio continuou com o trabalho de Isabel Cruz encenando para a igreja, criando o GRUTEJAM (Grupo de Teatro de Jovens Amadores de Macaíba) com sede nos fundos da igreja, criou o FESTIM Festival de Teatro Infantil de Macaíba), fundou a ASTMA (Associação de Teatro Amador de Macaíba), participou da FETERN (Federação de Teatro do Rio Grande do Norte) e da CONFENATA (Confederação Nacional de Teatro Amador). Hoje a idade já pesa um pouco e vejo que tudo que nós plantamos foi destruído, apagado pelo tempo, esquecido na memória dessa cidade e desconhecido para as novas gerações. A minha esperança é que um dia você leia esse artigo e que tenha o poder da transformação em suas mãos, mesmo que não seja artista, mas uma pessoa sensível ao que os nossos antepassados plantaram de bom nessa terra tão fértil.
Lindo! Texto lindo!!!
ResponderExcluirSucesso sempre, meu carinho e respeito e se me permite voltarei sempre.
Cara!
ResponderExcluirVocê não sabe o quanto fiquei feliz! Em conhecer um pouco mais sobre tua História, é como se me desse forças para nunca desistir, pois Você sabe que todo esse Mérito que venho recebendo até hoje é graças A toda essa energia que Você passa.